quinta-feira, 25 de outubro de 2012


Mídias e Educação: aprendizagens construídas

Quando a tarefa é escrever sobre reflexões desencadeadas através da disciplina de Mídias e Educação, me permito postar aqui partes de um livro contendo conteúdos como a banalização da normalidade e o quanto devemos tomar cuidado com tal banalização para que possamos nos desvincular deste mundo midiático e ser, então, pessoas “normais”.

“Em 1974, dois caciques da nação Xavante vieram visitar a cidade de São Paulo. Na época, os xavantes não usavam o dinheiro como meio de qualidade de vida. Para eles, qualidade de vida era alimento, porque era o jeito de garantir sobrevivência. (...)
(...) Sabe o que eles não conseguiram entender no shopping e a gente não conseguiu explicar?  Por que a gente entrava num lugar cheio de espelho. Eles achavam inacreditável que, num mundo cheio de gente, a gente gostasse de se ver, em ver em vez de ver o outro. Se você estava com você o tempo todo, por que ia querer se ver? Esse excesso de espelho é um símbolo ético também, de certa forma egonarcisismo, que veio sobre nós.
            Nós o levamos também a um lugar magnífico, o Mercado Municipal, na área central. Aquilo é uma espécie de entreposto comercial, imenso, projetado por Ramos de Azevedo (...). E no Mercado Municipal é comida para todo o lado. Eles deram dois passos e ficaram pasmos. Pilhas de alface, de tomates, de cenoura, de laranja. Ficaram com o olhar talvez como o nosso olhar ficaria se entrássemos no cofre de um banco. Em certo momento, um deles viu uma coisa que nenhum e nenhuma de nós veria Ele cutucou e perguntou: “O que ele está fazendo?” E apontou no chão um menino negro, pobre (a gente sabia que era pobre por causa da roupa, ele não saberia) pegando alface pisada, tomate estragado, batata já moída e colocando num saquinho. Nenhum e nenhuma de nós veria aquilo, pois para nós é normal. Normal? Cuidado com o conceito de normal.
            Nós falamos: “Ué, ele está pegando comida”. O cacique não disse mas nada. Ele continuou andando conosco, mas não prestou atenção em mais nada. Depois de uns 15 minutos, ele falou:
            - Eu não entendi. Por que ele está pegando essa comida estragada aqui no chão, se tem essa pilha de comida boa?
            - É que para pegar comida dessa pilha aqui precisa de dinheiro.
            - E ele não tem dinheiro?
            - Não tem.
            - Por que não tem dinheiro? – indagava o cacique.
            No que ele está cutucando? Na nossa base ética, no nosso valor de vida. A gente acha que uma criança com fome, mesmo diante de uma pilha de comida boa, pode comer comida estragada. Porque a vida é assim. É normal.
            - Ele não tem dinheiro porque ele é criança.
            - E o pai dele tem?
            -Não, o pai dele não tem.
            - Não entendi. Por que você, que é grande, tem e o pai dele, que é grande, não tem? De qual pilha você come, dessa daqui ou a do chão?
            - Dessa daqui.
            -Por quê?
            A única resposta possível para o cacique naquele momento foi a resposta que algumas pessoas que já desistiram dão: “Sabe o que é? É que aqui é assim”...
            Os dois índios, diante da resposta falaram uma coisa de que eu nunca mais esqueci. “Vamos embora.” Não é que eles pediram para ir embora do mercado, eles pediram para ir embora de São Paulo. Veja como eles são “selvagens”.
            Eles não conseguiram compreender essa coisa tão óbvia: que uma criança faminta, diante de uma pilha de comida boa, pega comida podre. Eles não são “civilizados”. Sabe como ele passaria batido e nem repararia na cena? Se ele tivesse sido criado em algumas de nossas famílias, se ele tivesse ido a algumas de nossas igrejas, se ele tivesse freqüentado a alguns de nossos meios de comunicação. Aí ele ia achar aquela cena normal.
            Neste instante, é bom lembrar que é necessário cuidar da ética porque senão anestesiamos a nossa consciência e começamos a achar tudo normal.” (CORTELLA, 2010, p.129)
           
           
Creio que este texto abarque grande significado perante todo o aprendizado que tivemos durante o semestre. Estamos tão acostumados a ver cartazes, imagens, folder’s, capaz de revistas por todo o lado com os mesmos corpos, as mesmas representações de beleza que acabamos por achar “normal” acusar alguém mais gordinho de não ter saúde, de ser feio, e até de não ser feliz. É normal fazer isso? Alguns podem até considerar um ato de normalidade esse julgamento prévio, mas e aos estudantes midiáticos, futuros professores? O que passaremos para nossos alunos se não a “normalização” da diferença?
Posso dizer que evolui muito com esta disciplina, e não só no lado profissional de iniciação à docência, mas também como pessoa. Aprendemos a (re)significar comerciais de tv e principalmente as necessidades dos jovens - cito jovens incluindo-me. Nunca fui muito consumista, nem exigente, mas após as reflexões criadas todas terças e quintas, devo confessar que meu lado critico perante as compras afloraram. É aquele velho dilema entre: quero ou preciso, e a verdade é que precisamos de pouco, bem pouco. A maior parte é do querer, e então vem à tona o pensamento criado durante todo o processo de aprendizado aqui: quero por quê? Quero impressionar a quem? Por quê? Se eu consumir isto me sentirei melhor?
Acredito que a partir do momento que analisamos as propagandas e dedicamos nossa atenção a elas, somos capazes de perceber um outro lado do mundo dos adolescentes e com isso, passamos a entender que na maioria das vezes os jovens consumem principalmente para fazer parte de determinado grupo. Quando por meio do texto de Márcia Figueira debatemos sobre o corpo feminino nos tornamos sensatos quando culpamos a mídia por todo o consumo gerado entre os jovens. Os jovens são tão potentes em relação às compras, que empresas já destinam os comerciais para o público certo: adolescência.
Falar desta nova geração de consumidores é brilhante, eles nos anestesiam a cada frase completa que pronunciam quando o assunto é “não consigo viver sem”. O processo de aprendizado que calmamente tentaremos ensina-los será de grande valia, pois agora temos preparos para conduzi-los a uma vida menos consumista.







Referências Bibliográficas:

CORTELLA, Mario. Qual é a tua obra? : Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. 10ed.  - Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

Vídeo encontrado em: http://www.youtube.com/watch?v=AGY6AMLw0tA

Um comentário:

  1. Querida Carol,
    O que poderia escrever aqui sobre uma pessoa/estudante tão especial quanto você? Alguém que sempre nos surpreende com o entusiasmo de suas colocações, que é "tocada", "atravessada" pelos nossos questionamentos e colocações em sala de aula de uma forma tão potente como poucas vezes temos a oportunidade de presenciar em nossa trajetória docente...Alguém capaz de tecer conexões entre leituras, estudos e aprendizagens de diversas disciplinas e campos de saber, que extrapola as fronteiras disciplinares, que nos desafia, nos desacomoda, nos provoca a repensar a docência, a intencionalidade de nossas ações, a coerência entre elas e os pressupostos pedagógicos que defendemos com tanto afinco. Posso dizer que a convivência contigo (e com teus/tuas colegas) neste semestre deixou marcas em minha trajetória docente, me levando a repensar os desígnios da educação e minha forma de ser professora... Aproveito este espaço para registrar a enorme satisfação que tive em aprender contigo durante este semestre. E como não poderia deixar de ser, ao ler a última postagem solicitada, aprendi um pouco mais contigo, com este texto primoroso do Cortella que nos leva a suspeitar da forma como naturalizamos as injustiças e a percepção das diferenças como desigualdades, o que pode ser aplicado à reflexão sobre diversos grupos marginalizados e discriminados em nossa sociedade, como os povos indigenas, as crianças negras e pobres, as mulheres, os homossexuais... Para finalizar, é isso que gostaria de enfatizar sobre a tua participação na disciplina "Mídias e Educação": o protagonismo, a autoria, a capacidade de co-criar as aulas com @s professor@s, as monitoras e @s demais colegas, contribuindo sobremaneira para a concretização de uma prática docente interativa! Um abraço afetuoso! Joice

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