Mídias e Educação: aprendizagens
construídas
Quando a tarefa é escrever sobre
reflexões desencadeadas através da disciplina de Mídias e Educação, me permito
postar aqui partes de um livro contendo conteúdos como a banalização da
normalidade e o quanto devemos tomar cuidado com tal banalização para que
possamos nos desvincular deste mundo midiático e ser, então, pessoas “normais”.
“Em 1974, dois caciques da nação Xavante vieram visitar a
cidade de São Paulo. Na época, os xavantes não usavam o dinheiro como meio de
qualidade de vida. Para eles, qualidade de vida era alimento, porque era o
jeito de garantir sobrevivência. (...)
(...) Sabe o que eles não conseguiram entender no shopping e
a gente não conseguiu explicar? Por que
a gente entrava num lugar cheio de espelho. Eles achavam inacreditável que, num
mundo cheio de gente, a gente gostasse de se ver, em ver em vez de ver o outro.
Se você estava com você o tempo todo, por que ia querer se ver? Esse excesso de
espelho é um símbolo ético também, de certa forma egonarcisismo, que veio sobre
nós.
Nós o
levamos também a um lugar magnífico, o Mercado Municipal, na área central.
Aquilo é uma espécie de entreposto comercial, imenso, projetado por Ramos de
Azevedo (...). E no Mercado Municipal é comida para todo o lado. Eles deram
dois passos e ficaram pasmos. Pilhas de alface, de tomates, de cenoura, de laranja.
Ficaram com o olhar talvez como o nosso olhar ficaria se entrássemos no cofre
de um banco. Em certo momento, um deles viu uma coisa que nenhum e nenhuma de
nós veria Ele cutucou e perguntou: “O que ele está fazendo?” E apontou no chão
um menino negro, pobre (a gente sabia que era pobre por causa da roupa, ele não
saberia) pegando alface pisada, tomate estragado, batata já moída e colocando
num saquinho. Nenhum e nenhuma de nós veria aquilo, pois para nós é normal.
Normal? Cuidado com o conceito de normal.
Nós
falamos: “Ué, ele está pegando comida”. O cacique não disse mas nada. Ele
continuou andando conosco, mas não prestou atenção em mais nada. Depois de uns
15 minutos, ele falou:
- Eu não entendi. Por que ele está
pegando essa comida estragada aqui no chão, se tem essa pilha de comida boa?
- É que para pegar comida dessa pilha
aqui precisa de dinheiro.
- E ele não
tem dinheiro?
- Não tem.
- Por que
não tem dinheiro? – indagava o cacique.
No que ele
está cutucando? Na nossa base ética, no nosso valor de vida. A gente acha que
uma criança com fome, mesmo diante de uma pilha de comida boa, pode comer
comida estragada. Porque a vida é assim. É normal.
- Ele não
tem dinheiro porque ele é criança.
- E o pai
dele tem?
-Não, o pai dele não tem.
- Não
entendi. Por que você, que é grande, tem e o pai dele, que é grande, não tem?
De qual pilha você come, dessa daqui ou a do chão?
- Dessa
daqui.
-Por quê?
A única
resposta possível para o cacique naquele momento foi a resposta que algumas
pessoas que já desistiram dão: “Sabe o que é? É que aqui é assim”...
Os dois
índios, diante da resposta falaram uma coisa de que eu nunca mais esqueci.
“Vamos embora.” Não é que eles pediram para ir embora do mercado, eles pediram
para ir embora de São Paulo. Veja como eles são “selvagens”.
Eles não
conseguiram compreender essa coisa tão óbvia: que uma criança faminta, diante
de uma pilha de comida boa, pega comida podre. Eles não são “civilizados”. Sabe
como ele passaria batido e nem repararia na cena? Se ele tivesse sido criado em
algumas de nossas famílias, se ele tivesse ido a algumas de nossas igrejas, se
ele tivesse freqüentado a alguns de nossos meios de comunicação. Aí ele ia
achar aquela cena normal.
Neste
instante, é bom lembrar que é necessário cuidar da ética porque senão
anestesiamos a nossa consciência e começamos a achar tudo normal.” (CORTELLA,
2010, p.129)
Creio que este texto abarque
grande significado perante todo o aprendizado que tivemos durante o semestre.
Estamos tão acostumados a ver cartazes, imagens, folder’s, capaz de revistas
por todo o lado com os mesmos corpos, as mesmas representações de beleza que
acabamos por achar “normal” acusar alguém mais gordinho de não ter saúde, de
ser feio, e até de não ser feliz. É normal fazer isso? Alguns podem até
considerar um ato de normalidade esse julgamento prévio, mas e aos estudantes
midiáticos, futuros professores? O que passaremos para nossos alunos se não a
“normalização” da diferença?
Posso dizer que evolui muito com
esta disciplina, e não só no lado profissional de iniciação à docência, mas
também como pessoa. Aprendemos a (re)significar comerciais de tv e principalmente
as necessidades dos jovens - cito jovens incluindo-me. Nunca fui muito
consumista, nem exigente, mas após as reflexões criadas todas terças e quintas,
devo confessar que meu lado critico perante as compras afloraram. É aquele
velho dilema entre: quero ou preciso, e a verdade é que precisamos de pouco,
bem pouco. A maior parte é do querer, e então vem à tona o pensamento criado
durante todo o processo de aprendizado aqui: quero por quê? Quero impressionar
a quem? Por quê? Se eu consumir isto me sentirei melhor?
Acredito que a partir do momento
que analisamos as propagandas e dedicamos nossa atenção a elas, somos capazes
de perceber um outro lado do mundo dos adolescentes e com isso, passamos a
entender que na maioria das vezes os jovens consumem principalmente para fazer
parte de determinado grupo. Quando por meio do texto de Márcia Figueira
debatemos sobre o corpo feminino nos tornamos sensatos quando culpamos a mídia
por todo o consumo gerado entre os jovens. Os jovens são tão potentes em
relação às compras, que empresas já destinam os comerciais para o público
certo: adolescência.
Falar desta nova geração de
consumidores é brilhante, eles nos anestesiam a cada frase completa que
pronunciam quando o assunto é “não consigo viver sem”. O processo de
aprendizado que calmamente tentaremos ensina-los será de grande valia, pois
agora temos preparos para conduzi-los a uma vida menos consumista.
Referências Bibliográficas:
CORTELLA, Mario. Qual é a tua obra? : Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. 10ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
Vídeo encontrado em: http://www.youtube.com/watch?v=AGY6AMLw0tA
Vídeo encontrado em: http://www.youtube.com/watch?v=AGY6AMLw0tA
Querida Carol,
ResponderExcluirO que poderia escrever aqui sobre uma pessoa/estudante tão especial quanto você? Alguém que sempre nos surpreende com o entusiasmo de suas colocações, que é "tocada", "atravessada" pelos nossos questionamentos e colocações em sala de aula de uma forma tão potente como poucas vezes temos a oportunidade de presenciar em nossa trajetória docente...Alguém capaz de tecer conexões entre leituras, estudos e aprendizagens de diversas disciplinas e campos de saber, que extrapola as fronteiras disciplinares, que nos desafia, nos desacomoda, nos provoca a repensar a docência, a intencionalidade de nossas ações, a coerência entre elas e os pressupostos pedagógicos que defendemos com tanto afinco. Posso dizer que a convivência contigo (e com teus/tuas colegas) neste semestre deixou marcas em minha trajetória docente, me levando a repensar os desígnios da educação e minha forma de ser professora... Aproveito este espaço para registrar a enorme satisfação que tive em aprender contigo durante este semestre. E como não poderia deixar de ser, ao ler a última postagem solicitada, aprendi um pouco mais contigo, com este texto primoroso do Cortella que nos leva a suspeitar da forma como naturalizamos as injustiças e a percepção das diferenças como desigualdades, o que pode ser aplicado à reflexão sobre diversos grupos marginalizados e discriminados em nossa sociedade, como os povos indigenas, as crianças negras e pobres, as mulheres, os homossexuais... Para finalizar, é isso que gostaria de enfatizar sobre a tua participação na disciplina "Mídias e Educação": o protagonismo, a autoria, a capacidade de co-criar as aulas com @s professor@s, as monitoras e @s demais colegas, contribuindo sobremaneira para a concretização de uma prática docente interativa! Um abraço afetuoso! Joice